Com financiamento da FioCruz-Pernambuco e parcerias com o Campus da Universidade de Pernambuco (UPE), em Garanhuns, e da Comissão Pastoral da Terra, pesquisadores e estudantes de residência em saúde coletiva e agroecologia estão in loco em processo de coleta de dados nas regiões que circundam o Complexo Ventos de São Clemente.
A pesquisa terá duração de três anos e foi iniciada há cerca de oito meses, sob a coordenação de André Monteiro, engenheiro de Saúde Pública e pesquisador da FioCruz/ PE. O objetivo é que esses dados formais sejam utilizados pelo SUS, do Sistema Único de Saúde de Caetés.
Segundo o coordenador, há na literatura vários estudos que caracterizam a Síndrome das Turbinas Eólicas e que se relacionam principalmente ao modelo implementado nos parques eólicos em Caetés e municípios vizinhos. Na Alemanha, por exemplo, os aerogeradores só podem ser implementados com uma distância mínima de dois quilômetros e meio das residências.
A permanência do neoextrativismo
A primeira questão, segundo o coordenador da pesquisa da FioCruz, UPE e CPT é uma característica desses grandes empreendimentos, sejam eles quais forem, que se constitui e está relacionado a um contexto do próprio Brasil, da América Latina, em relação ao que se chama neoextrativismo.
“Ainda vivemos num contexto que nós somos exportadores de commodities, commodities agrícolas, minerais, sobretudo, essas duas. E essa produção de commodities, a exportação, impacta profundamente o ambiente, ou seja, a partir de desmatamentos, e impacta também as comunidades tradicionais, os povos de comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, e uma diversa gama de comunidades tradicionais”, pontua o especialista.
Saúde Mental
Em sua visão, como estudioso e especialista em Engenharia de Saúde Pública e Ambiental nas comunidades tradicionais, qualquer processo que incida nos territórios já deflagra um processo de sofrimento mental.
“Temos a sabedoria de que a comunidade tradicional possui outra característica que seria a autonomia. Mas essa autonomia é relativa no sentido de que, em geral, elas não têm o título da terra, elas têm o usufruto. Então, as empresas, ou seja, os grandes empreendimentos, ou em extensão, como o agronegócio, e infraestrutura impactam profundamente e geram o que a gente chama de processos de vulnerabilização, sobretudo o sofrimento mental”, destaca Monteiro.
Há de se relevar que esses problemas relacionados ao sofrimento mental das comunidades tradicionais se dispersam em vários estados do Brasil, conforme estudos precedidos pela Comissão Pastoral da Terra. ” É um processo que a gente vê que é generalizado e que produz muitos efeitos negativos para essas comunidades, para a saúde das pessoas”, pontua.
A terra
Outro aspecto é a questão territorial. Na avaliação de André Monteiro, existe a insegurança do ponto de vista da terra. Isso porque, muitas famílias têm a sua terra formalmente registrada, mas em outras situações não.
“Quando as empresas de usinas eólicas vão se instalar, elas fazem necessariamente um arrendamento do terreno, da área dessas comunidades, e as pessoas perdem o acesso e o uso da terra nesses arrendamentos. Então as pessoas basicamente ficam recebendo algum recurso mensal entre 3 a 4 mil reais, mas deixam de trabalhar na terra, então essa é uma questão também muito violenta para essas comunidades, porque na prática eles deixam de ser agricultores’ , acrescenta o coordenador da pesquisa da FioCruz.
O resultado, diz ele, é que tem acontecido um êxodo rural. “Essa migração do rural para o urbano é outro grande problema, e que gera também uma apatia, porque eles deixam de ser produtores rurais, trabalhadores rurais, e fazem esse contrato por 30 anos, 35 anos, então esse é um grande problema também”, alerta o especialista.
O efeito na saúde mental
Uma outra questão são os ruídos provocados nas paredes das casas pelas pás das eólicas e os efeitos na saúde. “Em relação a isso, identificamos no Agreste meridional residências com cerca de 140, 150 metros e isso já gera diversos efeitos para a saúde. Um dos efeitos é a questão da luz tremelosente das paredes sombreando permanentemente as casas, os telhados das casas, o terreiro das pessoas. Isso gera efeitos na saúde muito grandes”.
Um outro efeito relacionado é a questão dos infrassons. As turbinas eólicas produzem infrassons e esses, apesar de não serem audíveis para os humanos, provocam impactos sem que as pessoas se dêem conta de doenças, de sofrimento mental, da necessidade do uso de medicamentos.
“Então, o consumo de medicamentos nessas comunidades que a gente tem trabalhado no Agreste meridional é impressionante. Temos relatos gravados em documentários, inclusive, em casas que visitamos com sacos enormes de medicamentos”.
Na pesquisa, inclusive, será feito a medição dos infrassons com equipamentos específicos para isso, para estimar o quanto que está afetando diretamente as pessoas. O estudo prevê inicialmente, a análise de impactos causados de 60 a 80 famílias, incluindo, mais recentemente, comunidades em Paranatama, onde uma obra de um parque eólico está sendo iniciada.
“Vamos acompanhar o desenrolar e os problemas gerados no início de um parque eólico, para ver exatamente as características dos problemas relacionados à implantação”.
Contraditório
André Monteiro pontua também a controvérsia do que seria a produção de energia limpa. “A máxima de ser uma energia limpa, nesse sentido, não se sustenta porque você não tem energia limpa atravessando e passando por cima da vida das pessoas, das comunidades. Além disso, você tem uma destruição ambiental, uma destruição dos modos de vida, você tem pessoas deixando a área rural para ir para a cidade, então, realmente, para mim é uma tragédia. E, como eu disse, isso é reflexo dessa característica de como que no Brasil, na América Latina, as comunidades, as pessoas e as comunidades, elas são tratadas pelos gestores e pelas empresas que implementam esses tipos de empreendimentos”.
Fauna
Segundo o pesquisador, outro efeito tão importante relaciona-se à fauna do bioma Caatinga, onde está inserido o município de Caetés. Os infrassons emitidos pelas turbinas eólicas afetam diretamente pássaros, morcegos e outros animais que são polinizadores.
“O morcego é um grande polinizador, as abelhas são polinizadoras. E o que é que acontece? Com os infrassons esses animais somem. E tem havido, e tem sido dito pelos camponeses, de que a produção agrícola caiu muito depois da implantação desses parques por conta disso. Ou seja, tais anomalias fazem com que os pássaros, as abelhas, morcegos, percam a noção de navegação deles. Muitos pássaros têm colidido com as pás dos aerogeradores e gerado problemas, enfim, de forma geral para o ambiente que as comunidades estão. Ou seja, alterando de forma muito intensa”, alerta.
_“Não há nada de energia limpa, isso seria o desejável. Mas isso não é energia limpa, no sentido de que a forma como o Estado, as empresas lidam com essas comunidades, as pessoas tratam essas comunidades tradicionais, pessoas que não têm, que não são sujeitos de direitos, então isso, acontece em todas as áreas relacionadas ao neoextrativismo, seja uma hidrelétrica, seja uma ferrovia, seja uma grande barragem, uma transposição de São Francisco, que eu estudei bastante, porque essa é a característica e a lógica que vem lá de 1500, de que o Estado está a serviço do capital, de uma elite, e que as comunidades tradicionais não fazem parte desse contexto, então atravessam a vida, atravessam essas comunidades, a vida das pessoas, gerando esses processos que a gente chama de vulnerabilização, que inclui sofrimento mental, e outras perdas simbólicas, que fazem com que essas pessoas e comunidades sejam, atravessadas _”.