
A nova ferramenta para a preservação do patrimônio arquitetônico

Meu Caro, estive pensando numa das frases do célebre filosofo alemão Arthur Schopenhauer:
“Toda verdade passa por três etapas. Primeiro, é ridiculizada. Em segundo lugar, é violentamente rejeitada. Em terceiro lugar, é aceita como evidente“. É provável que nunca o assunto que vamos continuar tratando agora tenha sido ridicularizada, porém creio que sim tenha sido rejeitada por alguém em algum momento.
De acordo com o prometido, vou discorrer nesta ocasião numa espécie de segundo capítulo sobre o assunto tratado no nosso último encontro que foi a respeito do retrofit, lembra?
Como havíamos visto, o retrofit é um processo que surgiu na última década do século XX com o objetivo principal de recuperação de equipamentos através da sua renovação, de forma a dar a estes um horizonte de uso mais prolongado, principalmente de motores, aviões, carros e outros, sendo que mais recentemente passou a ocupar também o campo da construção civil.
Neste artigo, volto a abordá-lo, desta vez no sentido de evidenciar de forma mais clara das vantagens e prováveis riscos na implantação de novos produtos e processos no campo da preservação do patrimônio arquitetônico, como também enfoco no importante papel dos técnicos responsáveis pelos projetos de intervenção na tomada de decisões para a escolha e implementação de novas soluções, fora do padrão convencional, porém no estrito sentido da conservação da significação cultural do patrimônio edificado.
Como havíamos visto, o retrofit é um processo que surgiu na última década do século XX, com o objetivo principal de recuperação de equipamentos através da sua renovação, de forma a dar a estes um horizonte de uso mais prolongado, principalmente de motores, aviões, carros e outros, sendo que mais recentemente passou a ocupar também o campo da construção civil.
No artigo anterior me referia a que esta “novidade”, o retrofit, já era aplicada, com mais força a partir do fim do século XIX e início do século XX nos edifícios que fazem parte do patrimônio arquitetônico, como foi o caso da Catedral de Notre Dame restaurado pelo arquiteto Violet Le Duc a partir de 1844 e concluído em 1869. Concluída a 2ª Guerra Mundial foram recuperados cidades inteiras como Varsóvia a través da restauração, como mostra a imagem 03.
Afinal, por lógica, se motores, aviões e carros são renovados ao ponto de dar uma sobrevida com um bom desempenho, na construção civil também se procedeu, desde sempre, à realização de adaptações e reformas com os mesmos objetivos e, por outro lado, na preservação patrimonial também se utilizaram processos com os mesmos objetivos, com mais força, a partir do século XX.
Contudo, é necessário destacar que o retrofit, na construção civil, pode ser aplicado com toda segurança, podendo ser previsto, de antemão, que os resultados obtidos serão os esperados. Na preservação monumental, por princípios, o retrofit apresenta novas e interessantes possibilidades, cuja aplicação deve ser avaliada e utilizada com cautela.
É necessário reafirmar que a base que explica, define e justifica o retrofit, de renovação, ampliação da vida útil, continuidade do uso do bem, etc. já tinha sido formulado e adotado por Camilo Boito**, um dos chamados “teóricos da restauração”, no início do século XX.
Assim, os princípios do retrofit vem se somar às orientações teóricas do campo da preservação patrimonial ao propor a utilização de procedimentos e equipamentos que atendam aos requisitos e padrões atuais e, ao mesmo tempo aplicando, com critérios corretos, o que a tecnologia oferece, sempre com o respeito à significação cultural de cada bem.
Pode-se afirmar que, a aplicação de qualquer ferramenta ou processos novos, seja para qualquer fim, desde que utilizados por profissionais preparados e aplicados de forma adequada para as finalidades corretas, terá como resultado, via de regra, a excelência, sendo assim um total sucesso para o profissional e a consequente satisfação para os usuários ou interessados em geral. Uma afirmação contraria poderá acarretar resultados indesejados.
Como exemplo podemos pensar na hipótese no campo da medicina. Em determinado caso um profissional, no desconhecimento de um fármaco ou de um procedimento cirúrgico novos, prescreve o uso de uma droga ou utiliza um procedimento, sem a necessária preparação e adequado conhecimento, num paciente qualquer.
O resultado deste proceder representará um risco que poderá ocasionar a piora do paciente ou ainda, em caso extremo, o paciente ir a óbito. O mesmo se pode dizer de um mecânico de automóveis, de um operador de maquinas, etc. Este exemplo é aplicável e verdadeiro em qualquer profissão e suas respectivas especialidades.
Esta analogia se enquadra perfeitamente ao tema que tratamos agora, no sentido de estarmos perante novos tipos de processos e produtos para as restaurações de prédios patrimoniais e sobre a necessidade de conhece-los em profundidade, principalmente nesta época em que a tecnologia, a informação e a contrainformação se produzem praticamente em tempo real, podendo deixar aos interessados com uma informação duvidosa e risco de tomadas de decisão desacertadas.
A aplicação de sistemas ou produtos no campo específico da preservação patrimonial, sem o necessário conhecimento por parte do profissional e a necessária prova de eficiência para as diversas aplicações dentro do canteiro de obras, pode representar um risco para a correta conservação da autenticidade do edifício em restauração e, no caso de verificação de eventuais maus resultados pela aplicação indevida de novas tecnologias, provavelmente não exista a possibilidade de reversão.
Chegado neste ponto, geralmente, não existindo esta possibilidade de reversibilidade, necessária em casos de inserção de uso e aplicação de nova materialidade ou no uso de novos processos, representará a perda de testemunhos originais do objeto.
Para a aplicação de novas tecnologias é preciso muita prudência. Muitas vezes elas se apresentam como a panaceia para a eliminação definitiva de patologias que afetam aos elementos construtivos dos edifícios ou a possibilidade de inserções de novos elementos na obra sem oferecer riscos de prejuízos a sua materialidade.
Isto deve ser muito bem avaliado antes de se adotar qualquer solução, principalmente nos processos de adaptação espacial dos prédios destinados para novos usos. Procedimentos adotados em intervenções de bens patrimoniais, sem a devida comprovação de desempenho adequado para uma determinada opção de projeto, geralmente, são os principais instrumentos de alteração da originalidade do patrimônio construído.
É necessário, então, que a eficiência oferecida pelas novidades que o mercado apresenta, seja devidamente comprovada através da evidencia de resultados concretos de experimentações em campo.
Verificar e conhecer as qualidades das novas tecnologias é fundamental. Torna-se necessário o profundo conhecimento daquilo que é novo e aparenta ser adequado para sua aplicação, aprofundando no conhecimento dos detalhes do produto, de forma a que permita a sua implementação com total segurança, certos que não haverá rejeições por incompatibilidade material ou não haverá sequelas pela incorreta adoção de produtos ou processos inadequados que alterem a originalidade do bem.
Toda tecnologia, em princípio, pode ser aceita e utilizada em diferentes procedimentos de preservação edilícia, desde que esta seja, comprovadamente viável e compatível com os elementos construtivos, sem colocar em risco a integridade da essência do bem e, necessariamente de amplo conhecimento por parte dos projetistas e executores da obra. Esta observação vem da Carta de Veneza (UNESCO), ainda em vigor, por tanto deve ser atendida pelo bem da correta preservação do monumento em processo de intervenção.
A aplicação de produtos, sistemas ou processos, neste caso o retrofit, deve ser decidida pelos profissionais responsáveis pelo projeto, conhecendo cada uma das ferramentas e processos que irão especificar e, evidentemente, a sua viabilidade para o monumento a ser restaurado. Nestas decisões deverão sempre primar o respeito ao bem e, seguindo esta premissa, atender às orientações das cartas internacionais da UNESCO.
A tecnologia está ao serviço de todos, pessoas ou edifícios. Sendo a tecnologia um meio que oferece ao ser humano melhorias nas suas condições de vida, não pode ser simplesmente rejeitada pelo risco que possa representar para uma determinada atividade. Devem sim ser tomadas as devidas precauções e realizadas as devidas provas de aplicabilidade dela nos edifícios patrimoniais.
Entendendo a tecnologia como um processo de transformar um determinado objeto ou sistema já existente, no intuito de construir algo novo, o retrofit é um método interessante que se mostra bastante útil para ser adotado nas intervenções em edifícios patrimoniais, alcançando de forma adequada contribuir nos métodos de conservação, seja a manutenção, reabilitação, preservação, etc. sempre com as devidas cautelas.
Assim, chegamos então à conclusão de que o retrofit é um instrumento que pode representar uma ferramenta útil nos processos de preservação patrimonial, contribuindo para outorgar uma vida mais longa ao nosso patrimônio construído, propiciando a possibilidade de inserção de tecnologias disponíveis que atendam ao padrão de necessidades atuais, necessárias para melhoria nas instalações prediais para seu uso original ou para novos usos. Tudo isto, sempre com o necessário critério de respeito às estruturas do edifício com a certeza de que, as medidas adotadas, sejam compatíveis com todos os aspectos e necessidades nos processos de intervenção.
Deve ficar claro que a decisão e responsabilidade pela adoção deste processo e dos sistemas e produtos tecnológicos a serem adotados nas intervenções, ficará sempre nas mãos da equipe técnica do projeto. Dessa forma, o processo de retrofit se inicia “na prancheta”, no projeto. Isso não isenta aos projetistas ou aos responsáveis pelas obras da possibilidade ou necessidade de eventuais provas e estudos prévios à aplicação de novos produtos ou processos em vista ao desejado respeito pela integridade do patrimônio arquitetônico.
Reforça-se aqui, novamente, a necessidade do respeito pela conservação da integridade do objeto patrimonial que recebemos dos nossos antepassados, sem esquecer da responsabilidade que temos de devolvê-los, com todas as suas características, às gerações futuras, considerando que todas as intervenções e, em especial a restauração, devem ser ações respeitosas com o patrimônio construído de forma a manter a sua significação cultural.
*Customização: ajustar algo às preferências do usuário.
**Camilo Boito: Arquiteto, crítico de arte, teórico da restauração, quem define claramente os 8 pontos da restauração estabelecendo os primeiros critérios de restauração.

Roque Samudio é arquiteto-urbanista formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Patrimônio Histórico e Cultural. É arquiteto especialista em Patrimônio da Secretaria Nacional de Cultura do Governo do Paraguai.
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