Depois de um hiato de quatro anos com cortes relevantes para investimentos na Ciência, Tecnologia e Inovação, os governos federal e estaduais começam a dar sinais de aceleração em seus ecossistemas.
Por determinação da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, a pasta terá uma forte conexão com outros ministérios e demais órgãos públicos, empresas privadas, ambiente acadêmico e escolas técnicas distribuídas em todo o território nacional.
A determinação de fazer a transversalidade da tecnologia para todo o arcabouço dos governos estaduais e municipais impõe aos gestores da área um compromisso além da estruturação da máquina pública e dos incentivos.
Será necessário usar a inteligência de seus recursos humanos para criar e produzir ações que interagem com as necessidades reais das comunidades inseridas nos nove estados nordestinos.
E esses gargalos não são poucos
Após a pandemia da Covid-19, a transformação digital foi exigida e, em alguns estados, acelerada. Tanto os gestores estaduais como os municípios tiveram que se reinventar para atender as necessidades de suas comunidades, na saúde, na educação, na desburocratização dos processos, e fincar seus objetivos e metas em um novo “terreno” que se apresentava: as tecnologias sociais, a serviço da população em prol de segurança e acessibilidade.
Nesse contexto, estados como Paraíba, Pernambuco, Piauí e o Ceará avançaram em suas políticas públicas, mesmo que saibamos que há muito ainda a ser feito.
Combate à pobreza

Em Pernambuco, a secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação, Mauricélia Montenegro, reforçou à NORDESTE as prioridades elencadas pela governadora Raquel Lyra, em seu plano de governo ao colocar a CT&I em um papel fundamental no combate à pobreza, à falta de emprego e à violência, além de promover o desenvolvimento regional e a interiorização.
“Existem diversas formas de colocar essas áreas a serviço do Estado para atingir esses objetivos. Uma delas poderá ser por meio do estímulo à criação de startups e empreendimentos inovadores nas regiões menos desenvolvidas, oferecendo recursos e capacitação técnica para os empreendedores locais”, pontua Mauricélia.
Outra linha, comenta a secretária, é fomentar a pesquisa científica e tecnológica em universidades e centros de pesquisa das regiões mais carentes, com o objetivo de desenvolver soluções tecnológicas que atendam às necessidades locais. Nesse aspecto, será necessário fazer a máquina pública girar mais rápido, pois foram quatro anos, sem praticamente investir em pesquisa científica, não somente no Nordeste, mas em todo o País.
Inclusão para regiões menos desenvolvidas
Mauricélia acredita que o estímulo de eventos e feiras específicas de CT&I nas regiões menos desenvolvidas pode ser um caminho de aguçar a curiosidade e o interesse pela ciência e tecnologia na população local. O que na visão dela, ainda não aconteceu.
“Desenvolver políticas públicas que incentivem a criação de empregos de qualidade e promovam o desenvolvimento econômico e social nas regiões mais carentes, utilizando a CT&I como um meio para atingir esses objetivos, é outra opção. Disponibilizar serviços públicos de CT&I para a população, como centros comunitários de informática, museus virtuais, cursos de capacitação tecnológica, entre outros, poderá ajudar as pessoas a se prepararem para os desafios do mercado de trabalho e se tornarem mais produtivas e qualificadas”, assinala.
A tecnologia e vulnerabilidade do semiárido nordestino
Sendo a região Nordeste e seus nove estados, inserida no semiárido, uma das áreas mais vulneráveis do Brasil, em relação à escassez de água e aos efeitos das mudanças climáticas, a tecnologia deve ser uma importante aliada para o desenvolvimento de políticas públicas que contribuam para a melhoria das condições de vida da população local e a sustentabilidade ambiental da região.

O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Paraíba, Cláudio Furtado, aponta a segurança hídrica e a transversalidade da Ciência como aspectos que devem interagir com a dinamicidade da Tecnologia e Inovação para a região.
“Nesse segundo governo de João Azevedo priorizamos as nossas ações, em todas as áreas, baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS. A Paraíba tem um clima semiárido, quase 90% do Estado está inserido nesse ambiente do semiárido, da nossa caatinga. Então, para implementar políticas eficientes em pesquisa, ciência e tecnologia é preciso preservar e conviver também com esse ecossistema”, acrescenta.
Segundo Furtado, o investimento em recursos humanos, com acesso à qualificação da mão-de-obra em setores pungentes, como os de energias renováveis, é de fundamental importância, neste início de governo.
Para tanto, o governo estadual está em fase de construção do Parque Tecnológico Horizonte de Inovações, que terá sua sede no antigo colégio de Nossa Senhora das Neves, no centro histórico da capital paraibana.
“Ao concluirmos esse grande projeto, vamos fornecer um ambiente onde diferentes áreas como educação, saúde, turismo conversem entre si e com outros atores tanto quanto essenciais como a academia, as nossas universidades. Desenvolver recursos humanos altamente qualificados, você transforma regiões, assim acontece no mundo. Hoje, a Paraíba forma talentos em nível técnico e superior, mas precisamos reter esses talentos. Incentivar a retenção de talentos é atrair investimentos, que dependem de mão-de-obra qualificada. Temos hoje parques eólicos e solares que precisam formar mão-de-obra qualificada“.
O secretário avalia que a tecnologia, a ciência e a inovação farão ou até já fazem uma estrutura forte para a economia paraibana, quando estiverem, de fato, congruentes com o Estado, governos municipais e a iniciativa privada, produzindo inovação e criando produtos que aumentem a competitividade e o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas).
Furtado acrescenta, nesse cenário de vulnerabilidade da região, a questão da segurança hídrica. Ele cita a obra da transposição do São Francisco como elo desse “up”. “Não há como desconectar a importância da água. Temos na Paraíba dois eixos que beneficiam o nosso Estado. Agora, existe a promessa de um terceiro eixo. Vamos precisar estar prontos e desenvolver tecnologias para municípios como Souza que, antes era um grande produtor de coco e hoje, essa riqueza é esquecida”.
A água para o consumo

A questão da água para consumo humano e para a irrigação à agricultura familiar continuam a ser gargalos para toda região. “Estamos implantando vários dessalinizadores e conseguimos colocar para a faixa de consumo humano. Temos outras tecnologias que podem ser usadas, como as cisternas. Questão de irrigação, e adequar as culturas para as tecnologias”, acrescenta.
“São questões que a Ciência vai dar as respostas, como uma ação transversal, para potencializar e pensar na ciência tanto nas tecnologias sociais, com produtos simples que podem mudar uma determinada localidade. E também as tecnologias assistidas para dar inclusão às pessoas, que será muito importante nos próximos anos. Pessoas não inclusivas para passarem a fazer parte desse ecossistema”, reforça.
Fomento às tecnologias verdes
A secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco vai além e lembra que a questão do semiárido passa pela melhoria da oferta hídrica e também pela oferta de alimentos. “Temos atuado no fomento a startups que trabalham com tecnologias verdes, as GreenTec, e com tecnologias para segurança alimentar (Food Tec). Já temos uma startup de GreenTec, focada na captação de água da chuva, e duas FoodTec voltadas ao reaproveitamento de pescados”, disse.
A expectativa, em Pernambuco, ainda este ano, é colocar no mercado e subsidiar a contratação de tecnologias verdes e de segurança alimentar, com recursos do Fundo de Inovação do Estado de Pernambuco – Inovar/PE. Segundo a secretária de C T& I, o Governo do Estado de Pernambuco possui uma estratégia de inovação com programas diferentes, de acordo com o tipo de inovação.
A social (setores produtivo e público) tem como principais produtos o “Programa de Inovação Social Ideathon” – tocado junto com o Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD) – e o “Programa de Combate às Desigualdades Sociais”, gerido com a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe).
“Nesses ambientes são levantados desafios de inovação com a população que vive determinado problema no dia a dia cuja solução é construída com a participação dessa comunidade”, acrescenta Mauricelia. Ela reforça o importante papel da academia que participa da resolução de desafios ligados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
“Já a inovação no setor público, temos uma forte atuação da Usina Pernambucana de Inovação, o hub de inovação oficial do Governo do Estado de Pernambuco, criado através do Marco Legal de CTI no Estado”.
Atualmente, a Usina é responsável, em parceria com a Facepe, pelo “Programa de Inovação em Incidentes Climáticos”, focado na criação de soluções inovadoras para enfrentar chuvas intensas; pela “Jornada de Inovação Governo e Academia” (JIGA), voltada para a criação de soluções inovadoras em políticas públicas ou em Governo Digital; pela “GameJam”, que fomenta o desenvolvimento de jogos digitais ou de tabuleiros para melhorar políticas públicas; e pelo “Prêmio Usina Pernambucana de Inovação (Prêmio Usina)”, em reconhecimento a inovações desenvolvidas por instituições públicas e seus parceiros.
“No caso de inovações no setor produtivo, temos o “Programa de Apoio às Startups Pernambucanas” (PróStartups), para apoiar a criação de novas startups no Estado e resolver desafios de inovação no setor produtivo; e o “Programa de Apoio a Redes Cooperativas de Inovação” (Lócus de Inovação), apoiadora, atualmente, de 30 redes de inovação em setores e municípios estratégicos para o Estado”.
Mais pesquisas para o semiárido
No Ceará, apesar de tantos desafios, o estímulo à inovação para mudar e melhorar o cenário, vem sendo executado por meio do desenvolvimento de pesquisas (P&D) voltadas ao Semiárido, no ambiente das universidades estaduais e das Faculdades de Tecnologia Sertão Central e Cariri (unidades do Instituto Centec, órgão vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior).
Um desses estudos, por exemplo, está adaptando o Capiaçu, um clone do capim-elefante usado na alimentação bovina, com o objetivo de tornar viável o cultivo desse tipo de capim nas condições do Semiárido.
Ainda neste aspecto, acrescenta a secretária Sandra Monteiro, entre outros projetos realizados pelo Núcleo de Tecnologia e Qualidade Industrial do Ceará – Nutec (outro vinculado da Secitece), merecem destaque a “Dessalinização, tratamento e reuso da Água”, que ajudou na crise hídrica, e o “Projeto de Interiorização de Extensão Tecnológica”.
Como atrair investimentos
A Tecnologia e Inovação, além de investimentos na área de Ciência, podem atrair novos investimentos e são fortes indutores, na avaliação dos dois Estados.
“Investimentos em CT&I possuem, em geral, boa alavancagem e são multiplicadores econômicos. Nesse sentido, a inovação possibilita tanto o aumento da competitividade, através de melhor produtividade e de instalação de novas capacidades, quanto à geração de novos empregos, impulsionada pelo empreendedorismo criativo e inovador”, opina a gestora, em Pernambuco.
Para se ter uma ideia, segundo Mauricélia, uma nova empresa de base tecnológica que possui um modelo de negócio inovador, tende a criar, em seis meses, uma média de dez postos de trabalho em serviços tecnológicos.
No caso de Pernambuco e também no Ceará, os quais possuem fortes ambientes de tecnologia e inovação, a excelência na prospecção de novos negócios e geração de empregos é recorrente, apesar de ainda existir falta de mão-de-obra qualificada.
A interiorização
Além do Porto Digital, o governo pernambucano vem atuando na interiorização e na horizontalização de investimentos, em outras palavras, descentralizar as iniciativas para fora do eixo da capital.
“Hoje temos o Armazém da Criatividade, um centro de criatividade e inovação de grande porte em Caruaru, no Agreste; temos os Lócus da Inovação, 30 redes cooperativas da inovação espalhadas pelo Estado; além de 25 centros de criatividade e inovação de pequeno porte, que são os Espaços 4.0, conectados a Escolas Estaduais de Ensino Médio, sendo 22 deles no interior do Estado”
Além disso, Pernambuco tem apoiado a criação de Centros Tecnológicos Comunitários, a fim de combater a exclusão digital, e de Centros de Inovação de Fronteiras, a exemplo do que está sendo construído em Petrolina [no Sertão de Pernambuco], para trabalhar inovações em saúde.
No Ceará, um cinturão digital
Três palavras mágicas compõem o tripé do desenvolvimento em TI no Ceará: geração de riqueza, empregos de qualidade e produtividade das nações, estados e nações. Esta tríade, avalia a secretária da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, Sandra Monteiro, foi construída a partir das ciências básicas, que permitiu fornecer os meios essenciais para enfrentar desafios, como o acesso universal a alimentos, energia, cobertura de saúde e tecnologias de comunicação.
Em sua opinião, um dos grandes projetos e diferenciais do Governo do Estado é “O Cinturão Digital do Ceará”, com mais de 7.000 km de extensão e 130 municípios atingidos.
De acordo com a gestora estadual, esse número tende a aumentar com a expansão do programa Ceará Conectado, que pretende alcançar os 184 municípios cearenses, ao final deste ano.
Ao todo, já são mais de 3 milhões de usuários impactados pela iniciativa, que viabiliza o acesso à internet aos órgãos públicos do Estado e possibilita à população o acesso a serviços digitais, constituindo-se numa ferramenta indispensável ao desenvolvimento econômico do Estado.
Maiores impactos serão percebidos nos serviços prestados de saúde e de educação (EaD ou remota). O fomento a novos negócios além do acesso de banda larga, também serão ampliados e reforçados.
Hub Tecnólogico
Com uma privilegiada posição geográfica, o Ceará se destaca ao aproximar nações e continentes para toda a Região Nordeste. A chegada de 16 cabos submarinos à capital cearense vindos dos Estados Unidos, Europa e África garantem, segundo o governo, notoriedade internacional no quesito conexão de dados.
“Esse cenário tem atraído grandes data centers e incentivado parcerias com a iniciativa privada, a exemplo da rede global da Angola Cables e EllaLink, duas das principais redes de telecomunicações do mundo. Também estamos em fase de construção do novo Centro de Tecnologia da Informação no Ceará, localizado no Centro de Fortaleza”, adiantou à NORDESTE.
A área é estratégica para o desenvolvimento de atividades voltadas à CT&I, e vai facilitar o acesso e proximidade com o setor acadêmico e empresas.
Para reforma e adaptação do prédio, realizou-se uma parceria entre a Secitece e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ao todo, o Centro de Tecnologia da Informação no Ceará terá 2320m² de extensão, com previsão para 25 startups residentes e duas empresas âncoras.
A articulação com outros setores, como o “Sistema S” e outras setoriais do Governo do Estado, será necessária para consolidar a integração do ecossistema de CT&I.
Desenvolvimento sustentável e inclusivo
Para que todas essas metas sejam atingidas, a gestão estadual firmou o compromisso de destinar 1,01% da receita tributária líquida do Estado do Ceará para o setor. O repasse desses recursos representará, no final de 2027, mais de R$ 2 bilhões – ou seja, 2% da receita.
A decisão estratégica do governo cearense dá novo fôlego às ações, consideradas essenciais para o desenvolvimento do Estado e possibilita o lançamento de editais de apoio à Inovação, a exemplo do InovaFIT; do Tecnova-CE, da concessão de novas bolsas de estudo de formação; e o incentivo ao empreendedorismo digital dos jovens, por meio do programa Corredores Digitais, dentre outras.
“Devemos aqui, igualmente, atentar para a sensibilidade do Governo do Estado por meio da nossa Secitece, em manter e ampliar a concessão de bolsas visando a fixação de estudantes e pesquisadores e girando a economia local”, pontua a gestora.
“Estamos em um momento de reestruturação na esfera nacional. Aqui no Ceará, o foco é seguir avançando no desenvolvimento do sistema estadual de C&T, mantendo a expansão e a interiorização da Educação Superior, a construção de um ambiente propício à geração de negócios inovadores e a popularização da Ciência entre crianças e jovens, sempre atrelando os saberes populares e os científicos”, complementa.
*Matéria originalmente publicada na edição 195ª da Revista Nordeste, produzida e assinada pela editora do EJ, jornalista Luciana Leão